domingo, 8 de março de 2015

Cheira a Lisboa.






Um craveiro numa água-furtada.

Uma rosa a florir na tapada.

Cheiram bem. Mas cheiram mesmo a Lisboa?

É que pelos becos e ruelas sem sol desta cidade grande, nem sempre o cheiro enche as narinas de prazer como canta a cantiga. Que Lisboa tem os seus próprios cheiros é verdade verdadeira, mas que não são todos bons, também me parece premissa irrefutável.

Passam-me pelas narinas memórias de perfume a bafio naquelas ruas onde o sol não bate nunca à porta. O indício de gato em prédio pombalino, pelo cheiro a chichi que se sente nas escadas. O odor a calor humano em tardes de estio num autocarro da Carris. O rasto de poluição que os automóveis espalham pela Avenida da Liberdade e arredores. O cheirete a peixe a decompor nos caixotes do lixo à porta dos mercados. O azedume que sai das sarjetas quando ainda não secaram da última chuvada. O pivete que nos bate com força na cara quando, por azar, somos apanhados desprevenidos pela traseira de um carro do lixo. E há aqueles dias em que o Tejo tem as entranhas revoltas e o eflúvio de couve cozida há dois dias sobe por Lisboa até à Graça.

Por outro lado.

Por outro lado, por esta capital fora, há cheiros bons e singulares que ora nos abrem o apetite, ora nos abrem o sorriso. O cheiro das sardinhas assadas nos meses sem “r” no nome. O consolo do manjerico no mês do Santo António. O odor a bolo quente nos pastéis de Belém. O perfume a flores e frutas no Mercado da Ribeira. O aroma a detergente nas escadarias dos prédios. A brisa de roupa lavada que sopra dos estendais. O cheirete a bacalhau seco na Rua do Arsenal. O cheirinho a café acabado de tirar à porta da Brasileira. A gula a castanha assada que vem no ar nas tardes de Outono. E há aqueles dias em que o Tejo está tranquilo e traz o eflúvio a maresia que sobe por Lisboa até à Graça.

Lisboa é de perfumes e pivetes. Tem os seus fedores muito próprios e as suas essências finas.  Mas que não venha ninguém de fora dizer que aqui os cheiros são maus. Enchem-se o alfacinha de brio, respira fundo e logo responde: Cheiram bem porque são de Lisboa. Lisboa tem cheiros de flores e de mar.

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