Um craveiro numa água-furtada.
Uma rosa a florir na tapada.
Cheiram bem. Mas cheiram mesmo a
Lisboa?
É que pelos becos e ruelas sem
sol desta cidade grande, nem sempre o cheiro enche as narinas de prazer como
canta a cantiga. Que Lisboa tem os seus próprios cheiros é verdade verdadeira,
mas que não são todos bons, também me parece premissa irrefutável.
Passam-me pelas narinas memórias de
perfume a bafio naquelas ruas onde o sol não bate nunca à porta. O indício de
gato em prédio pombalino, pelo cheiro a chichi que se sente nas escadas. O odor
a calor humano em tardes de estio num autocarro da Carris. O rasto de poluição
que os automóveis espalham pela Avenida da Liberdade e arredores. O cheirete a
peixe a decompor nos caixotes do lixo à porta dos mercados. O azedume que sai
das sarjetas quando ainda não secaram da última chuvada. O pivete que nos bate
com força na cara quando, por azar, somos apanhados desprevenidos pela traseira
de um carro do lixo. E há aqueles dias em que o Tejo tem as entranhas revoltas
e o eflúvio de couve cozida há dois dias sobe por Lisboa até à Graça.
Por outro lado.
Por outro lado, por esta capital
fora, há cheiros bons e singulares que ora nos abrem o apetite, ora nos abrem o
sorriso. O cheiro das sardinhas assadas nos meses sem “r” no nome. O consolo do
manjerico no mês do Santo António. O odor a bolo quente nos pastéis de Belém. O
perfume a flores e frutas no Mercado da Ribeira. O aroma a detergente nas escadarias
dos prédios. A brisa de roupa lavada que sopra dos estendais. O cheirete a
bacalhau seco na Rua do Arsenal. O cheirinho a café acabado de tirar à porta da
Brasileira. A gula a castanha assada que vem no ar nas tardes de Outono. E há
aqueles dias em que o Tejo está tranquilo e traz o eflúvio a maresia que sobe
por Lisboa até à Graça.
Lisboa é de perfumes e pivetes.
Tem os seus fedores muito próprios e as suas essências finas. Mas que não venha ninguém de fora dizer que
aqui os cheiros são maus. Enchem-se o alfacinha de brio, respira fundo e
logo responde: Cheiram bem porque são de Lisboa. Lisboa tem cheiros de flores e
de mar.
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