domingo, 17 de maio de 2015

A espiga.








Todos os anos é uma surpresa. Uma bela quinta-feira a cheirar a Verão e a manga-curta, saio à rua e por todo o lado andam pessoas a vender ramos de flores. E Lisboa fica ainda mais bonita e mais cheirosa. Enfeitada de pequenos ramos dourados com salpicos vermelhos.


É o Dia da Espiga. Em muitas cidades do Ribatejo, do Alentejo ou nas redondezas do Tejo, a vida suspende-se. Quarenta dias contados a partir do domingo de Páscoa é quinta-feira da Ascensão, feriado e dia santo de guarda. Diz-se que é o dia em que mundo pára e que “há uma hora em que os pássaros não vão aos ninhos, as águas dos ribeiros não correm, o leite não coalha e o pão não leveda”. As pessoas vão ao campo apanhar flores para fazer o ramo que as protegerá o ano inteiro.


Espigas para garantir o pão.
 Malmequeres que trarão ouro e prata.
Papoilas para abonar amor e vida.
Ramos de oliveira para o azeite a paz e a luz.
Videiras para bom vinho e alegrias.
E alecrim para ter forças e saúde.


Tudo isto atado com uma corda e depois guardado atrás da porta à espera do substituto do ano que vem. E assim se faz a espiga.


Mas em Lisboa a história é outra. Não há papoilas nem videiras nos jardins. A Espiga chega em carrinhas, já em ramos atados e sai para as ruas em cestos nas mãos de vendedores. E é vê-los a vender às raparigas esperançosas de um ano próspero e amoroso. E é vê-los a vender às senhoras que desejam ver comida à mesa todo o ano lá em casa. E é vê-los a circular pelas mãos das lisboetas como promessas. Pactos que ficam entre a compradora e a espiga. Um euro e cinquenta cêntimos de alento. Um alento que se põe atrás da porta e em breve estará seco. Mas não importa. Porque o que conta é a intenção. Durante uma quinta-feira inteira Lisboa fica simples e camponesa. De flor na orelha e ar trigueiro


Para surtir efeito tem que ser dado. Nem que seja na batota do compras o meu que eu compro o teu com as colegas de trabalho. E que bom que é voltar para casa de ramo de flores do campo na mão. Encaixá-lo no prego atrás da porta e dizer: lembra-te do que prometeste.

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