domingo, 10 de maio de 2015

O marido.




Dizem que de Espanha não vem bom casamento. Dizem, mas não é verdade. Lisboa casou com um espanhol e ganhou uma luz lendária que os poetas e os filósofos tentam entender sem nunca conseguirem.


Tal como aprendemos na escola, o Tejo nasce em Espanha na Serra de Albarracín. Mal nasce, faz-se ao caminho. A viagem é longa e Lisboa é cidade bela e cobiçada que não pode estar muito tempo sozinha. Num itinerário de mais de 1000 Km, corre depressa sem nunca desviar o olhar. E bem que cidades e aldeias formosas o podem chamar que ele não pára. Constroem-lhe barragens e pontes, assomam albufeiras e serras, mas a força das águas é superior e há-de vir dar ao Terreiro do Paço nem que para isso tenha que chover.


Lisboa sem o Tejo seria uma mulher seca e infeliz. O Tejo sem Lisboa seria um homem errante, um rio sem leito nem lugar para desaguar. Esta cidade não é de terra firme. Tem água nas suas entranhas. Água que quando se enfurece a abalroa. O Tejo transborda com ciúmes desses fadistas que tentam levar Lisboa com cantigas. Mas Lisboa é cidade apaixonada e perdoa sempre. E o Tejo com remorsos recolhe-se nas suas margens e volta a ser o braço que a sustém.


Pois o Tejo, quando está calmo, é um braço protector. Foi ele quem primeiro albergou as caravelas que fizeram de Lisboa o centro do mundo. Foi ele quem as conduziu ao mar das incertezas e as acolheu quando regressaram a cheirar a terras distantes e cheias de ouro para enfeitar a cidade. É ele quem abre as portas da capital aos cruzeiros que entram por aí perfumados e cheios de ouro para comprarem memórias da cidade enfeitada. É ele quem segura os cacilheiros que enchem a cidade de gente pelas manhãs e a esvaziam à tardinha.


Dizemos que amamos Lisboa, mas a verdade é que o que amamos é este casamento perfeito de cidade e rio. Este reflexo da cidade nas águas que se traduz nesta luz que nos ilumina em azul singular. E não importa se Lisboa escolheu para marido um rio nascido em Espanha. O Tejo, quando aqui chegou requereu logo dupla-nacionalidade. Porque é aqui que ele repousa a fazer conchinha com Lisboa, enquanto ela lhe explica ao ouvido o que quer dizer a palavra saudade.

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