Dizem que de
Espanha não vem bom casamento. Dizem, mas não é verdade. Lisboa casou com um
espanhol e ganhou uma luz lendária que os poetas e os filósofos tentam entender
sem nunca conseguirem.
Tal como aprendemos
na escola, o Tejo nasce em Espanha na Serra de Albarracín. Mal nasce, faz-se ao
caminho. A viagem é longa e Lisboa é cidade bela e cobiçada que não pode estar
muito tempo sozinha. Num itinerário de mais de 1000 Km, corre depressa sem nunca
desviar o olhar. E bem que cidades e aldeias formosas o podem chamar que ele
não pára. Constroem-lhe barragens e pontes, assomam albufeiras e serras, mas a
força das águas é superior e há-de vir dar ao Terreiro do Paço nem que para
isso tenha que chover.
Lisboa sem o Tejo
seria uma mulher seca e infeliz. O Tejo sem Lisboa seria um homem errante, um
rio sem leito nem lugar para desaguar. Esta cidade não é de terra firme. Tem
água nas suas entranhas. Água que quando se enfurece a abalroa. O Tejo
transborda com ciúmes desses fadistas que tentam levar Lisboa com cantigas. Mas
Lisboa é cidade apaixonada e perdoa sempre. E o Tejo com remorsos recolhe-se
nas suas margens e volta a ser o braço que a sustém.
Pois o Tejo,
quando está calmo, é um braço protector. Foi ele quem primeiro albergou as
caravelas que fizeram de Lisboa o centro do mundo. Foi ele quem as conduziu ao
mar das incertezas e as acolheu quando regressaram a cheirar a terras distantes
e cheias de ouro para enfeitar a cidade. É ele quem abre as portas da capital
aos cruzeiros que entram por aí perfumados e cheios de ouro para comprarem
memórias da cidade enfeitada. É ele quem segura os cacilheiros que enchem a
cidade de gente pelas manhãs e a esvaziam à tardinha.
Dizemos que
amamos Lisboa, mas a verdade é que o que amamos é este casamento perfeito de
cidade e rio. Este reflexo da cidade nas águas que se traduz nesta luz que nos
ilumina em azul singular. E não importa se Lisboa escolheu para marido um rio
nascido em Espanha. O Tejo, quando aqui chegou requereu logo
dupla-nacionalidade. Porque é aqui que ele repousa a fazer conchinha com Lisboa,
enquanto ela lhe explica ao ouvido o que quer dizer a palavra saudade.
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