domingo, 24 de maio de 2015

As canções de Lisboa.


Nem só com fado se canta Lisboa. Lisboa canta-se de outras cantigas tristes e contagiadas de solidão que, sabe-se lá porquê, nos enchem a alma de calor e companhia. Quanto mais oiço cantigas sobre esta cidade mais se me forma uma certeza certa: sobre Lisboa não se cantam felicidades.


Sobre Lisboa cantam-se paisagens e angústias, vai-se ao bas fond do espírito e do corpo, esperam-se futuros desgraçados, desencontram-se os corações e cortam-se pulsos com navalhas. Enganam-se os amantes, desvendam-se segredos assombrados, ou então guardam-se para sempre.


Não vão em cantigas. Sempre que se canta Lisboa, cantam-se lágrimas.


E poderão estas cantigas ser de prescrição médica para curar corações partidos? Poderão os afastamentos que carregam socorrer as almas aflitas? Poderá esta cidade ser tão ardilosa amada que nos fere e nós, mesmo assim, só a queremos a ela por par? A resposta é óbvia. Sim. A Lisboa que se canta é criatura empática que nos espeta uma faca, mas fá-lo com jeitinho. Depois pega-nos ao colo e dá um beijinho na ferida para passar mais depressa. E a verdade é que ajuda. A Lisboa que se canta é boa companhia para a solidão. Para o abandono da carne vazia. Para os acordares estremunhados espreitando pela fresta até ser dia.


Na próxima sexta-feira vai acontecer um concerto daqueles dos meus sonhos. No Auditório Olga Cadaval em Sintra o Jorge Palma e o Sérgio Godinho vão cantar juntos. E eu vou estar lá com as letras a fazerem comichão na ponta da língua e o coração a bater ao ritmo das melodias. E quero que eles cantem todas. Que se aguentem ali no palco até que as vozes se esgotem e as cordas das guitarras se gastem.


Mas isto é pedir demais. Então façamos um ponto e escolhamos um assunto: Lisboa.

“Lisboa que amanhece” e “A canção de Lisboa” são gémeas falsas. Cantigas de solidão e tristeza, que nos golpeiam o coração e o acalentam ao mesmo tempo. Cantigas mais vadias que o fado. Cantigas com personagens solitárias e noctívagas que, quando o dia acorda, se misturam na multidão tendo a cidade como única companhia. Das tais cantigas que o médico devia prescrever. Porque os seus autores, alquimistas de palavras e melodias, as compuseram para nos fazer sentir que temos sempre Lisboa por companhia.


Por isso, se não tocarem mais nada, que toquem estas duas. Estas duas cantigas que tão bem relatam Lisboa. Que nos cantam ao ouvido a essência lisboeta. Que nos matam e que nos ressuscitam. Estas duas que ecoam uma cidade inteira.

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